segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Venom - At War With Satan [1984]



Quando falamos sobre os discos mais importantes para o Black Metal, sempre lembramos do clássico álbum do Venom que praticamente batizou o estilo, já que foi com Black Metal o disco que o público "metaleiro" começou a prestar atenção em canções pesadas com temas voltados para satanismo e com os músicos usando pseudônimos, no caso o trio Cronos (baixo, vocais), Mantas (guitarra) e Abaddon (bateria), cujos nomes oficiais eram  Conrad Lant, Jeff Dunn e Abaddon.

Esse clássico álbum foi o segundo dos ingleses, lançado em 1982, após o cru e inovador Welcome to Hell (1981), e para muitos, é o melhor álbum da carreira da banda. Apesar de considerar realmente Black Metal um petardo atemporal, para mim o melhor álbum dos ingleses é o sucessor de Black Metal, o violentíssimo At War With Satan.

Mantas, Abaddon e Cronos

Lançado em 16 de abril de 1984, o disco foi registrado durante praticamente todo o ano de 1983, graças ao alto teor de complexidade de sua faixa-título, um tour de force metálico com mais de vinte minutos de duração, que ainda hoje assusta para quem a ouve de primeira.

"At War With Satan", a música, narra a história da guerra entre o Céu e o Inferno, na qual a Terra de Satanás sai vencedora. O personagem principal é Abaddon, o guardião dos portões do Inferno, o qual incentiva o Inferno a revoltar-se contra o Paraíso, levando o exército de Satanás a derrotar Deus. Por incrível que pareça, a origem musical da suíte é uma grandiosa suíte do progressivo, a Maravilhosa "2112", lançada pelo Rush oito anos antes, com o nome da suíte (e do álbum) sendo uma composição do Livro da Revelação com o poema Paraíso Perdido, de John Milton.

Capa Dupla interna

Ocupando todo o Lado A, a faixa-título traz para o ouvinte que possui sérios preconceitos contra o estilo, algo impecável, que não tem o que colocar de errado, e ainda, uma performance exuberante e perfeita de pelo menos Mantas e Cronos, que tais quais o Paraíso e o Inferno, lutam entre si com solos e passagens magistrais, além de uma surpreendente participação de Abaddon. Um dos grandes méritos do trio é que eles conseguiram fazer com que a música transmitisse exatamente o que acontece com a letra, causando as sensações de terror, sustos e guerrilha que permeiam o Lado A deste que além do melhor disco do Venom, atrevo-me a dizer ser o melhor disco do estilo.

Desta feita, não irei passear e dissecar cada segundo da canção, até por que a canção possuí muitas variações, e isso iria preencher laudas e laudas, além do precioso tempo do leitor, mas convém citar os principais momentos dessa Maravilha Metálica. 

Capa dupla de At War With Satan


A introdução com o riff matador da guitarra, o baixão cavalgante de Cronos e o grito do vocalista saindo das entranhas do inferno traz o primeiro susto, e isso irá se repetir durante todo o épico que virá adiante. Nas primeiras frases, somos apresentados ao início da guerra, quando os guerreiros de Satã partem em fúria contra os céus, tendo como base um riff veloz e sujo. Cronos canta despojadamente, vociferando as palavras assustadoramente, principalmente quando clama "Lucifer", "Hell" e todas as palavras ligadas ao coisa-ruim, e na sequência, a suíte modifica-se, ficando pesada e muito agressiva após duas estrofes.

Mantas
Mantas dá show com uma sequência de riffs matadores, enquanto Cronos e Abaddon despejam peso em doses absurdamente hipopotamares (ou seja, pesadas como um hipopótamo). Enquanto isso, surge o primeiro e rasgado solo de Mantas, fazendo a guitarra uivar sobre o andamento veloz, e na letra, o exército do inferno parte para lutar contra o paraíso. Passamos por mais um solo de Mantas, lindo aliás, com Cronos também desfilando lindas notas ao fundo.. A técnica de Mantas, seja na alavanca, seja nos bends e hammers, me faz pensar por que dificilmente ele surge nas listas de melhores guitarristas de todos os tempos, quiçá do Black Metal. O riff da guitarra torna-se ainda mais sujo, e as palavras gritadas de Cronos exaltam a fúria dos escravos do inferno contra o maldito paraíso, entoando que o senhor do inferno deve tomar o trono de Deus.

O riff inicial retorna, para Mantas criar um riff novo, velocíssimo, acompanhado pela pancadaria generalizada de baixo e bateria, enquanto Cronos grita que Lúcifer comanda a orgia no paraíso, tornando as paredes de mármore branco vermelho com o sangue dos anjos do paraíso. Instrumentalmente, esse trecho é impecável, com uma velocidade absurda, e a guitarra de Mantas soltando sons como se fossem bombas, simulando violenta guerra que está acontecendo no paraíso. Deus cai diante de Satã, e a canção muda seu ritmo, tornando cadenciada, para explicar ao ouvinte que naquele momento, não há mais paraíso, apenas anjos espatifando-se, a igreja de Deus revelando a verdade, e o mal prevalecendo.

Abaddon
Temos uma pausa que lembra a citada "2112", e Abaddon volta com tudo, mais rápido do que já ouvimos antes e com um novo riff, entrando na segunda parte da canção. O legal de ouvir até aqui, além da performance fantástica de Mantas e Cronos, é que mesmo Abaddon, reconhecido por ser bastante limitado, está tocando soberanamente. Em um riff sabbhático, Cronos grita o sacríficio das almas do céu, principalmente Cristo, e sua voz demoníaca falando "c'mon, c'mon" assusta. Mais três estrofes comentando sobre as atrocidades que Satã está fazendo ao destruir o reino dos céus, e passamos por um dos trechos mais lindos do Black Metal, que é o solo de baixo e guitarra sendo feitos ao mesmo tempo com muita melodia e velocidade.

Vozes como as que encerram "2112" surgem comentando sobre o que os mortais estão vendo, sendo condenados por Satã, e Mantas cria mais um riff veloz. A pancadaria come solta, levando para outro solo arrepiante de Mantas, carregado pela alavanca e hammers, enquanto Cronos dedilha seu baixo impiedosamente, assim como Abaddon está impossível na bateria.

Cronos
A brutalidade dá espaço para outro trecho belíssimo, levado pelo dedilhado em belos acordes de violão, vozes arrepiantes (ouvir isso de madrugada em um quarto escuro certamente irá fazer você segurar um alfinete com o fiofó) e o baixo ecoante de Cronos, que levam para gritos apavorantes de "Damned!" (condenado!), voltando então ao riff inicial de "At War With Satan", para contar a sequência da história. Depois de destruir com o paraíso, o lorde das trevas abre suas mandíbulas para trazer a família satânica ao trono, e assistir a condenação de Deus ao inferno. O ritmo marcial simula realmente uma espécie de julgamento, em outro trecho mágico, com o baixo de Cronos sendo o destaque.

Mais pancadaria, e os demônios começam a comemorar a queda de Deus, em um ritmo intrincado que poderia facilmente estar em trechos mais pesados de clássicos do rock progressivo. A sensação de apreensão que a suíte passa ao ouvinte é arrepiante, e então, uma voz maligna surge nas caixas do som, com uma voz feminina agonizante ao fundo, batidas de pratos, sinos do inferno e o baixo de Cronos perambulando entre as palavras macabras do recitante, as quais dizem que Satã estuprou a santíssima trindade, o anjo Gabriel foi para as profundezas do inferno, caindo nas margens do rio Styx.

O Venom no início de carreira
Uma guitarra raivosa aparece, e a voz satânica agora narra que Gabriel e os demais anjos que estão no Styx, recuperam-se da batalha, e enquanto a celebração ecoa no céu dominado pelos demônios, eles percebem que os portões do inferno estão abertos. A raiva toma conta do coração de cada anjo, e então, eles reúnem-se, para começar mais uma guerra, agora contra Satã, o senhor dos céus. 

Enquanto a história é narrada, o barulho ao fundo é infernal, com a guitarra abrindo as entranhas da terra, até que voltamos para o riff inicial da suíte, e como em uma espécie de loop, Cronos narra que os anjos reuniram-se lentamente no inferno, com Gabriel gritando por vingança contra o céu, amaldiçoando o anticristo e começando uma nova guerra, enquanto o volume vai baixando, dando o significado de guerra sem fim entre Céu e Inferno, e mais, que os anjos vivem agora no Inferno desejando o Céu, e os demônios estão no Céu e não querem voltar ao Inferno. Há mais interpretações para essa letra incrível, mas deixo para o leitor contemplar, pensar e colocar nos comentários as suas opiniões não só para a letra, mas para a música incrível que o trio fez em 1984.

O encarte na versão original europeia, trazendo destaque para a letra da suíte-título

O lado B de At War With Satan contém canções mais próximas do Venom de Black Metal e Welcome to Hell, com duração em torno de três minutos, porém bem mais maduras e muito mais trabalhadas. "Rip Ride" é uma pancada ensandecida, com uma performance avassaladora de Mantas, seguida pela magistral "Genocide", carregada de peso, não tão veloz quanto sua antecessora e com um refrão que aproxima-se do que bandas da NWOBHM faziam na época, assim como o riff central de "Cry Wolf", uma faixa clássica no Black Metal, que com o passar dos anos vem cada vez mais ganhando o coração dos fãs, seja pelo solo de Mantas ou pela entrega vocal de Cronos.

A trinca final de At War With Satan vem com "Stand Up (And Be Counted)", a qual lembra-me o punk sujo do MC5, com um pouco mais de distorção, a pancadaria sem economia de "Women, Leather and Hell", com Abaddon virando-se em um metrônomo para tocar perfeitamente na velocidade correta, e uma divertida insanidade chamada "Aaaaaarrghh", uma série de gritos no formato do nome da canção enquanto sobre uma loucura generalizada entre bateria e guitarra, com inserções discretas e nada convencionais de "acordes" (?) de piano.

Mantas, Abaddon e Cronos

Por conta de seu alto teor satanista e anti-cristo da faixa-título, At War With Satan acabou sendo retirado das lojas, ao mesmo tempo que fez o nome Venom crescer cada vez mais na mídia, aumentando a curiosidade dos fãs, e obviamente, não só pelo conteúdo musical, mas pela imagem que o trio passava na época, consolidando-os como a principal referência no quesito "música satanista" durante o início da década de 80.

A versão europeia conta com um belo livreto encarte, que o Brasil acabou não tendo a oportunidade de ver. Na verdade, a ideia inicial era lançar o álbum em um formato de livro mesmo (assim como por exemplo, é o original de Living in the Past, do Jethro Tull), só que o investimento seria alto, e a gravadora Neat, responsável pelo lançamento do disco, decidiu abortar o projeto. Felizmente, o disco foi lançado por aqui, e dia após dia, mais e mais fãs do Black Metal, e do Metal em geral, descobrem como o estilo, taxado pela falta de criatividade e técnica, foi capaz de produzir um dos melhores discos de todos os tempos.

Contra-capa do álbum

Track list

1. At War with Satan
2. Rip Ride
3. Genocide
4. Cry Wolf
5. Stand Up (And Be Counted)
6. Women, Leather and Hell
7. Aaaaaarrghh

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