domingo, 1 de março de 2015

Elis Regina - Parte I



Nesse mês de março de 2015, mais precisamente no dia 17 de março, comemoram-se os 70 anos de nascimento da maior artista brasileira, Elis Regina Carvalho Costa, ou simplesmente Elis Regina. A pimentinha gaúcha, em pouco mais de vinte anos de carreira, deixou um legado diverso de discos que marcaram gerações, desde a simplicidade dos roquinhos anos 50 até a psicodelia exuberante do início dos anos 70, passando por sambas, boleros, valsas, jazz, bossa-nova, ..., enfim, diversos gêneros musicais, sempre acompanhada por músicos talentosos, fazendo parcerias inesquecíveis, mas principalmente, abalando estruturas com interpretações fulminantes.

Como uma sincera homenagem, o Baú do Mairon vem aqui destrinchar a história musical de Elis, pagando tributo para esta que é uma das maiores vozes da música mundial.


O bebê Elis (acima) e
lembrancinha do primeiro ano de Elis (abaixo)

Nascida no Hospital da Beneficência Portuguesa em 17 de março de 1945, Elis era filha do casal Romeu Costa e Ercy Carvalho, aos 11 anos começou a cantar na Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, fazendo parte do elenco fixo do programa O Clube do Guri, apresentado por Ari Rego sempre nos domingos pela manhã, que durou de agosto de 1950 a julho de 1966.

Por lá, Elis estreiou nas rádios cantando, lendo recados e apresentando candidatos a crooner, sendo constantemente pedido sua participação vocal, a partir de 1957. Sua estreia na verdade não foi das melhores, pois apesar de convencer a mãe para ser levada ao programa, ainda menina, apelidada de Lilica, para interpretar "Vida de Bailarina", Elis ficou mordendo a ponta da luva, e não conseguiu cantar de tanta vergonha. 

Porém, anos depois, mais madura, Elis destruiu com apenas 14 anos, e interpretando "Vida de Bailarina", despontou na Rádio, tendo como inspiração em Ângela Maria, o grande ídolo da pimentinha. Também na Farroupilha que Elis aprendeu a lidar com a apresentação de nomes que queriam participar do programa, bem como a lidar com os microfones e toda a parafernália por detrás da Rádio, que acabaram sendo fundamentais na sua formação.

Elis no colo da mãe Ercy e com o pai Romeu (acima);
Na Rádio Farroupillha (abaixo)

Em 1958, Elis assina contrato com a Rádio Gaúcha, e no mesmo ano, ganha o título de Melhor Cantora do Rádio Gaúcho, em concurso realizado pela Revista de Cinema, Teatro, Televisão e Artes. As atuações de Elis levaram-na para o Rio de Janeiro com a finalidade de gravar seu primeiro álbum, e também para combater as gravações de Celly Campelo, Sônia Delfino e Cleyde Alves.

O álbum de estreia da cantora

Assim nasce Viva a Brotolândia. A menina Elis Regina, com apenas 16 anos, faz sua estreia junto a gravadora Continental, descoberta pelo produtor Wilson Poso. Temos um apanhado de canções que embalaram os bailinhos juvenis na década de 50 e no início dos anos 60, em um desfile de ritmos e versões, que vão dos rocks baladas de "Sonhando" ("Dreamin', de Barry de Vorzon e Ted Ellis), "Garoto Último Tipo" ("Puppy Love", de Paul Anka), "Fala-Me de Amor" ("Take Me In Your Arms", de Fred Markusa e Fritz Rotter), o rock suave de "Baby Face" (de Benny Davis e Harry Askt), passando pelo sambas "Samba Feito Pra Mim" e "Dor de Cotovelo", até o calipso de "Dá Sorte". Os arranjos orquestrais da Orquestra de Severino Filho auxiliam a aumentar a nostalgia, neste que é um dos álbuns mais raros da cantora. 

Jornal da Gaúcha destacando a ida de Elis a São Paulo
para gravação de seu primeiro LP

O que impressiona é que mesmo muito nova, Elis já demonstra o vozeirão e a simpatia que a consagraram anos depois, e uma interpretação vigorosa para letras que não combinam com a juventude da garota, principalmente nos sambas "Mesmo de Mentira" e "Murmúrio", ou na balada "Tú Serás". Únicos deslizes vão para as vozes acrescentadas em "Amor, Amor ..." ("Love, Love", de Bill Caesar") e na versão valsa da clássica "My Favorite Things", de "Oscar Hammersmith e Richard Rodgers, aqui apresentada como "As Coisas Que Eu Gosto". Como o próprio Imperial define na contra-capa, um broto cantando música de broto para o broto ouvir e dançar. Foi relançando em 1982, relançamento este também bastante raro, e em 1989, agora batizado Nasce Uma Estrela, a versão mais comum deste disco. Também teve lançamento em CD, sem faixas bônus.


O segundo e raro álbum, Poema de Amor

Elis voltou ao Rio em 1962, e ainda pela Continental, lançou Poema de Amor, mais um disco bastante diversificado, que é uma sequência natural de Viva a Brotolândia. Modificando seu nome para Ellis (com dois l's), uma tentativa da Continental de tentar americanizar a cantora - algo comum na música nacional da época - e nos traz bolero em "Nos Teus Lábios" e "Canção de Enganar Despedida", tcha-tcha-tcha em "Las Secretárias" - apresentada na contra-capa como o maior sucesso atual no gênero - e muito samba em "Saudade É Recordar", "Confissão", "Pororó-popó" e "Vou Comprar Um Coração". 


Contra-capa de Poema de Amor

Os arranjos orquestrais ficaram a cargo de Renato de Oliveira, que conduziu os trabalhos de gravação no Rio de Janeiro, e Severino Araújo e Guerra Peixe, arranjadores na capital paultista. Os pontos fortes de Poema de Amor vão para as versões da jazzística "Dá Me Um Beijo" ("Kiss Me Kiss Me", de Carol Danell e Armando Trovajoli), a simpatia da balada "Meu Pequeno Mundo de Ilusões" ("My Little Corner of the World", de Lee Pockriss e Bob Hilliard), e a Broadwayana "Pizzicati-Pizzicato" (Emily Stern e Eddy Marnayou). Outro destaque vai para a inspiração em Angela Maria nas fenomenais "Podes Voltar" e "Poema".

Poema de Amor foi relançado em 1982 como Poema, e em 1989, ganhou uma versão mais conhecida, batizado agora de A Estrela Brilha, que é o jeito mais comum de encontrar esse interessante LP.  Também saiu em CD, sem faixas-bônus. Algumas de suas canções foram relançadas na coletânea Elis (É) Regina, que abrange apenas faixas dos dois primeiros álbuns.

Estreia pela CBS, Ellis Regina

Em outubro de 1962, Elis assina com a CBS, e no início de 1963 lança seu terceiro álbum, Ellis Regina, no qual dedica-se ao bolero e ao samba-choro. Ellis Regina tem como principal mérito apresentar uma voz já mais lapidada em relação aos primeiros discos, aumentando a relevância de Elis perante a orquestra de Luiz Astor, e permitindo a ela brincar com sua voz no samba "Formiguinha Triste", ou apenas comandar a orquestra na sacolejante "Silêncio". Os boleros são perfeitos para se dançar com a companheira, como atestam "Resurreição", um show de sensualidade de Elis, e "Tango Italiano", e nos sambas, balançamos a perna durante "Tristeza de Carnaval", tocamos um air-pandeiro em "1, 2, 3, Balançou", e nos sentimos em plena Lapa carioca durante "Flertei". 

Há ainda o delicioso chamego do samba "Dengosa" e o sentimentalismo de "Adeus Amor", carregada por um lindo clarinete. Novamente, destaque para as versões, seja com a imponência flamenca de "Virgem de Macarena" ("La Virgem de La Macarena", de Bernardo Bautisa Monterde e Antonio Ortiz Calero), a suavidade de "Outra Vez" ("Again", de Dorcas Cochran e Lionel Newman) ou o encanto de "À Noite" ("Tonight", de Leonard Bernstein). Essa raridade saiu em CD, tão cobiçado quanto o LP.

Último disco pela CBS

Para muitos fãs, O Bem do Amor é o álbum mais fraco da carreira de Elis, mas longe de ser um álbum para ser desprezado. Em um disco apenas com compositores brasileiros, o por que desta pequena torcida no nariz vai para a falta dos arranjos imponentes e as versões que se destacaram nos três primeiros discos, concentrando-se nos sambas leves da faixa-título e "Meus Olhos", e pela vez primeira, flertando com a bossa-nova em "Se Você Quiser" (de Baden Powell), "Mania de Gostar" e "Domingo em Copacabana" De forma geral, Elis está arrasante, seja na leveza de "Sem Teu Amor" ou no embalo de "Alô Saudade", "Mundo de Paz" e "Saudade e Carinho", as quais com a voz de Elis, ganham ainda mais dramaticidade. 

Destaque total para o samba-choro "Há Uma História Triste" e o vozeirão solto na lenta "Manhã de Amor", além da excelência musical de "Retorno", que dão mais pontos para esse disco o qual talvez não tenha seu maior reconhecimento por conta de ter sumido do mercado há algum tempo, sendo somente nos últimos anos encontrado através de um relançamento em CD. O vinil de O Bem do Amor é mais difícil de se ver do que o cometa Halley. Detalhe adicional é que esse foi o último trabalho da gaúcha a ser assinado como Ellis.

Elis em Copacabana

Durante o período da gravação dos quatro primeiro álbuns, Elis dividia sua vida em morar em Porto Alegre e gravar no Rio de Janeiro. No final de 1963, Elis é eleita pelo jornal Correio da Amanhã a cantora revelação daquele ano, em uma premiação realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Dali, Elis muda-se definitivamente para a capital fluminense, em abril de 1964, convidada pelo percussionista Doum para trabalhar na boate Bottle's, no famoso reduto boêmio Beco das Garrafas, em Copacabana. Ali, foi descoberta por Armando Pittigliani, que a levou para a Philips, local onde finalmente começou a deslanchar. Ao mesmo tempo, assina um contrato com a TV Rio, onde passa a trabalhar no programa Noites de Gala, ao lado de nomes como Wilson Simonal, Jorge Ben entre outros. Era o começo da ascensão.

Em 23 de novembro de 1964, a cantora faz sua primeira grande apresentação na cidade de São Paulo, acompanhada pelo Copa Trio durante o show "Primeira Denti-Samba", quando deixou insana a plateia de centenas de pessoas que a viram. Mais um sinal de que o sucesso estava por vir. 

O primeiro sucesso: Samba - Eu Canto Assim

Mais madura, Elis lança seu primeiro disco de sucesso pela Philips. Com arranjos de Luís Chaves, Paulo Moura, Lindolpho Gaya e Lennie Dale, Samba - Eu Canto Assim, é um show de sambas de peso, graças a versões para gigantes da música nacional como Vinícius de Moraes e Baden Powell (na trinca "Consolação" / "Berimbau" / "Tenha Dó"), Dorival Caymmi (o samba "João Valente") e Carlos Lyra (a balada "Maria do Maranhão"). Acompanhada do grupo Rio 65 Trio, liderado pelo incrível pianista Dom Salvador ao lado do baterista Édison Machado e do baixista Sérgio Barrozo, a gaúcha manda a ver em interpretações furiosas para "Menino das Laranjas", "Sou Sem Paz" e "Último Canto", e entrega-se de forma arrepiante na faixa-título e em "Eternidade". 

Elis ao vivo

Os ápices desse álbum vão para as faixas de Edu Lobo, seja no dolorido canto de "Aleluia", na emulação de Angela Maria no clássico "Reza" ou rasgando a voz na embalada "Resolução". Outro grande momento está na emocionante "Preciso Aprender a Ser Só", de Marcos Valle, a primeira canção mais longa de Elis, com pouco mais de quatro minutos de uma envolvente voz que transforma-se agonizantemente, fazendo até o martelo dos ouvidos chorar com tanta dor exalada pela talentosa voz da artista. Para quem quer conhecer o início da carreira de Elis, com certeza esse é o disco mais recomendado.

O grande disco de 1966, revelando Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil

Coroada na primeira edição do Festival da Música Popular Brasileira, Elis entra nos estúdios mais confiante do que nunca, e sai de lá com uma obra-prima. Elis chuta o balde na contra-capa de Elis, lançado em 1966, dizendo ter sido falsa até então, por não ter conseguido fazer o que queria com sua música, mas que finalmente, gravava um disco como desejava. Marcando o início de revelar novos artistas da música brasileira, o primeiro disco batizado apenas como Elis é uma aula de samba, com arranjos de Francisco Moraes e acompanhamento do Bossa Jazz Trio (Amilson Godoy no piano, Jurandir Meirelles no baixo e José Roberto Sarsano na bateria), e que revelou ao Brasil nomes ainda desconhecidos, que tornariam-se ícones da MPB anos depois, e que tiveram a oportunidade de terem suas composições ouvidas graças ao talento e a parceria da pimentinha. 

Assim, surgem os novatos Caetano Veloso com a tropicalista "Boa Palavra" e a dançante "Samba em Paz", Chico Buarque com o samba "Tem Mais Samba", Gilberto Gil com a lunática viagem de "Lunik 9" e o sambaço "Roda", e Milton Nascimento com a percussiva e tipicamente Miltoniana "Canção de Sal". Cada artista teve sua marca de compositor enaltecida por Elis, que além de cantar muito as letras desconhecidas e audaciosas desses monstros, recebe os méritos pela coragem de em um Brasil tão preconceituoso quanto o de 1966 - lembrando que a ditadura havia acabado de começar - gravar as canções dos mesmos pela primeira vez (lembrando que tanto Caetano, Gil e Milton só iriam lançar seus primeiros discos solo meses depois, e o próprio Chico havia estreiado fonograficamente em 1966, na mesma época de Elis). 

Além disso, Elis retorna a parceria com Vinícius de Moraes, através do embalo de "Tereza Sabe Sambar", e também com Edu Lobo, para quem o disco é dedicado, apresentando três joias do cantor: a complicada letra de "Estatuinha", de Edu com Gianfrancesco Guarnieri, o lamento "Pra Dizer Adeus", parceria de Edu com Torquato Neto, em uma das melhores interpretações de Elis na década de 60, e a emocionante "Veleiro", outra de Edu com Torquato, na qual Elis dá show sob um clamoroso arranjo orquestral. Complementa o álbum a leve "Sonho de Maria", da dupla Marcos e Paulo Sérgio Valle, e o clássico "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro, que ganha aqui sua versão definitiva, com o dedilhado sensacional de Paulinho Nogueira ao violão e o magistral acompanhamento do Luiz Loy Quinteto, além da participação de Caçulinha no acordeão. Um disco sensacional, que encerra coroando uma fase um tanto quanto obscura para os fãs, mas que tem muito a ser apreciada.

Elis Regina com os mestres Gilberto Gil, Tom Jobim e Chico Buarque

Esse foi um período com apenas quatro disquinhos, os quais são "Dá Sorte / Sonhando" (1961), "Dor de Cotovelo / Samba Feito pra Mim" (1961), "Poporó Popó / Nos teus Lábios" (1962), "A Virgem de Macarena / 1, 2, 3 Balançou" (1962), 

A primeira grande virada musical na carreira de Elis ocorreu no Festival Nacional da Música Popular Brasileira de 1965. Sendo assim, em quinze dias, trataremos especialmente dos cinco álbuns ao vivo lançados por Elis entre 1966 e 1970, com seus três discos ao lado de Jair Rodrigues, o indispensável álbum junto ao Zimbo Trio e o ineditismo do hilário álbum com Mieli, além de um apanhado geral das participações de Elis nos festivais.

2 comentários:

  1. Enfim encontrei alguém que gosta de 'Poema' faixa-título do segundo Álbum.Eu acho linda,a música e a maneira que Elis cantou.

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    1. Hehehee. Esses álbuns iniciais da Elis para mim são muito gostosos de se ouvir. Tem um charme exclusivo!

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