quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Santana - Corazón [2014]



O que leva um artista consagrado a manter-se em ativa? Seria a conquista de novos fãs? Continuar acesa a chama de um passado de glórias? Inovar musicalmente e chocar o mundo com um álbum de relevância? Faturar mais algum com o que sabe fazer de melhor?

No caso do guitarrista Carlos Santana, a última indagação parece a correta. Afinal, depois do aclamado lançamento de Supernatural (1999), seguido pelos também aclamados Shaman (2002) e All That I Am (2005), Santana ficou cinco anos sem lançar nenhum material original, tentando redescobrir a fórmula do sucesso que foi com Supernatural, fazendo canções mais diretas e com a participação de diversos cantores convidados para interpretar sua música. Como não conseguiu reinventar a roda, resolveu apostar em covers, e saiu-se muito bem com Guitar Heaven (2010), um dos melhores trabalhos de sua carreira.

Novos parceiros musicais (!) de Carlos Santana?

Veio Shape Shifter (2012), tentando volta às origens do grupo, mantendo apenas dois vocalistas fixos - no caso Andy Vargas e Tony Lindsay - e um grande fracasso comercial, apesar do álbum também ser muito bom. Daí que em busca de mais um $, e só pode ser essa a resposta, Santana resolveu que não adiantava voltar ao passado distante, mas sim ao passado recente, e pouco antes de apresentar-se na festa de encerramento da Copa do Mundo do Brasil, lançou ao mundo Corazón.

Trazendo doze canções, e tendo como propaganda o fato de ser totalmente cantado em espanhol, esse álbum é bastante decepcionante, pois além de não ser uma sequência natural para Shape Shifter, tão pouco consegue colocar na cabeça e no corpo do fã clássicos como "Maria Maria", "Smooth" ou "Corazón Espinado", que apesar de puramente populares, são boas músicas para se ouvir em uma festa. Para piorar, Santana a banda não existe no álbum. O número de convidados é tamanho (mais de 30 músicos participam do álbum) que em nenhuma canção temos um grupo fechado, o que torna tudo ainda mais triste.

Casal Carlos Santana e Cindy Blackwell com excelente química dentro e fora dos estúdios

Começando pelo o que é bom, vá direto para a faixa cinco, "Iron Lion Zion", com a participação de Ziggy Marley e ChocQuib Town, o que já diz o que é a música, um reggae de primeira linha que casou perfeitamente com a guitarra de Santana, confira a singela vinheta instrumental "I See Your Face" e a presença magnífica do saxofonista Wayne Shorter dando um espetáculo a parte na apimentada "Yo Soy La Luz", tendo a percussão de Cindy Blackman (esposa de Carlos Santana), vocais que consagraram a banda, percussões e um arranjo de metais impressionante. 

Depois, coloque o CD na estante e volte a ouvir somente quando bater a curiosidade, já que Corazón começa decepcionando logo na abertura, com o riff conhecidíssimo de "Saideira", um dos grandes sucessos comerciais do grupo brasileiro Skank sendo interpretado pelo próprio Samuel Rosa (guitarrista e vocalista do grupo mineiro) em espanhol, e apresentando um arranjo peculiar a latinidade de Santana, mas que não empolga mesmo com as intervenções dos sempre vibrantes solos de guitarra do músico que empresta seu nome à banda. O pior de tudo é que dentre as parcerias feitas pelo músico para Corazón, a de Samuel Rosa é uma das menos piores.

Uai! Mas que dupla cê foi me formar sô! (Samuel Rosa e Carlos Santana)

"Margarita", com Romeo Santos nos vocais, parece ter saído das piores lembranças dos piores momentos da carreira do mexicano, soando como uma canção de Romeo Santos com a participação especial de Santana, e beirando o ridículo com a mistura de frases em espanhol com um refrão em inglês. Aguentar a choradeira de Miguel em "Indy", acompanhado apenas de Santana, é missão complicada para quem um dia idolatrou "Jingo", "Soul Sacrifice" ou "Toussaint L'overture", e o bolero La Flaca, com os vocais por Juanes, resgata momentos interessantes de outras canções similares lançadas no passado recente da banda, mas também não empolga. 

A tríade do terror é completada pela tosca recriação de "Oye Como Va", rebatizada como "Oye 2014" e com os vocais rappers de Pitbull (?!) complementados por samplers hip-hop injustificáveis para quem um dia gravou pérolas como Caravanserai ou Abraxas. E antes que esqueça, nem perca seu tempo com "Feel It Coming Back", trazendo Diego Torres nos vocais (sinceramente, essa daí só pode ser algum sertanejo universitário com Maná de muito mal gosto que Carlos Santana ouviu em sua passagem pelo Brasil).

Gloria Estéfan e Carlos Santana, uma das poucas parcerias que deu certo em Corazón

Tentando salvar a pátria, Santana resgata cantora Glória Estéfan no samba "Besos de Lejos", uma canção que ganha força pelo arranjo vocal e pelo andamento sensual, e com a presença de Los Fabulosos Cadillacs durante "Mal Bicho", outra cantada em espanhol, alivia um pouco mais a decepção, principalmente pela legítima latinidade dos músicos do que pela canção em si, assim como o bonito bolero "Una Noche em Nápoles", com o trio vocal Lila Downs, Niña Pastori e Soledad, que nos remete aos áureos tempos de grupos como Trio Irakitán, Los Tres Diamantes ou Los Dandys, mas com todo o tempero das notas de Carlitos Santana (assim anunciado durante o bolero) ao violão, nessa que compete com "Iron Zion Lion" ao posto de melhor de Corazón.

O álbum recebeu uma versão DELUXE com três bônus (um rearranjo para "Saideira", a versão em português para "Bejos de Lejos", que virou "Beijos de Longe", também interpretada por Gloria Estefan,  e "Amor Correspondido", versão em português para "Feel it Coming Back", também com os vocais de Diego Torres), além de um DVD com o Making-Of de Corazón, e uma versão especial para o mercado latino, trazendo as músicas que ficaram de bônus na versão DELUXE oficial agora como faixas principais, e as versões que estão na versão oficial como bônus na versão DELUXE do mercado espanhol.

Cores para apresentar Corazón

Outro ponto positivo vai para a bela arte da capa, criada pela empresa La Fábrica de Pepinos de Boa Mistura, que caprichou nas cores e psicodelia no encarte do álbum.

Claro que em todas as canções, os solos estridentes e cheios de energia de Carlos Santana estão presentes, mas é só. Percussões enlouquecidas, passagens vibrantes de órgão, vocalizações empolgantes, nada disso é encontrável em Corazón, uma das maiores decepções de 2014, e com certeza, a maior decepção da carreira de Santana.

“Ai mamita querida, yo quiero plata!!”

Para complementar o estado de pobreza associado a Corazón, o álbum já vendeu mais de 100 mil cópias somente nos Estados Unidos, rendendo platina dupla para Corazón e provando que os fãs, indiferentes a porcaria que estão levando para casa, estão famintos, pelas novidades sonoras de Carlitos, cujos bolsos vão enchendo-se novamente.

Contra-capa da versão DELUXE de Corazón

Track list

1. Saideira
2. La Flaca
3. Mal Bicho
4. Oye 2014
5. Iron Lion Zion
6. Una Noche en Nápoles
7. Besos de Lejos
8. Margarita
9. Indy
10. Feel It Coming Back
11. Yo Soy La Luz
12. I See Your Face

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