terça-feira, 1 de abril de 2014

Review Exclusivo: Uli Jon Roth (São Paulo, 29 de março de 2014)


Qual loucura você faria para assistir seu ídolo? Honestamente, eu pensava que já tinha feito várias, mas consegui me superar no último fim de semana do mês de março do corrente ano, no qual viajei quase 2000 km para presenciar as incríveis palhetadas e arpejos de Uli Jon Roth, famoso por seu passado no Scorpions, mas de uma carreira solo invejável se comparada com outros artistas que viveram o mesmo período, como o colega de seis cordas Michael Schenker, que foi o responsável pelo surgimento de Uli ao mundo da música, já que foi com sua saída do Scorpions para ir conquistar o mundo no UFO que Uli finalmente saiu dos pequenos bares alemães e agigantou-se na Europa, América, Ásia e agora, na América do Sul.

O show realizado por Uli e sua banda -  no momento acompanham o guitarrista Niklas Turmann (guitarra e vocais), Jamie Little (bateria), Elliott Rubinson (baixo) e Paul Rahme (teclados e vocais) - foi o terceiro e último de uma curta temporada pelo Brasil, a qual havia começado no dia 25 de março com uma apresentação no Teatro Rival (Rio de Janeiro) e passou pelo Teatro Bolshoi (Goiânia) na noite do dia 28 de março.

Uli Jon Roth, Jamie Little, Niklas Turmann, Elliott Rubinson e Paul Rahme

Fiquei sabendo do show do Hendrix alemão (apelido que particularmente não gosto) com dois meses de antecedência, e na hora, comprei o ingresso, sem nem pensar em como ir, hospedagem e o afastamento das atividades como docente. Como o show ocorreria em um sábado, no decorrer das semanas consegui me programar, e encaixar de forma coerente com que tudo desse certo.

Assim, às 18 horas do dia 27 de março, após a jornada de trabalho, partimos eu e minha esposa da Terra dos Presidentes (São Borja leva esse nome por ser a única cidade do interior do Brasil a contar com dois presidentes nacionais, Getúlio Vargas e João Goulart), fazendo uma necessária parada para descanso na cidade de Santa Maria, localizada a 300 km de São Borja. Depois de dormir por aproximadamente quatro horas, rumamos para Porto Alegre, e de lá, pegamos o avião para São Paulo, chegando no hotel em que ficamos hospedados passados 16 horas. Ou seja, viajamos praticamente o dia inteiro, e claro, quando chegamos no hotel, o cansaço bateu, e a noite foi pouca para recuperar as energias.

Uli Jon Roth

Mesmo assim, a ansiedade e a expectativa pelo show fez-nos levantar cedo, e pudemos aproveitar um pouco da imensidão de São Paulo. Visitas em locais essenciais (Galeria do Rock - onde passamos a manhã - Mosteiro de São Bento, Viaduto do Chá, Teatro Municipal, ...), compras no Brás e na 25 de março foram as opções, deixando para traz muita beleza e cultura que devem ser absorvidos para quem visita a capital paulista, principalmente pela minha esposa, que conheceu a cidade pela primeira vez. Mas isso permite que possamos voltar, o que particularmente eu gosto muito de fazer.

Queríamos aproveitar ao máximo, e assim, no fim da tarde, fomos assistir a exposição de David Bowie no Museu da Imagem e do Som. Essa é uma outra história, que contarei aqui em alguns dias, e que teve vários percalços, mas enfim, saindo da bela exposição, pegamos um táxi em direção ao Manifesto Bar, famoso local de encontro de headbangers e roqueiros paulistas, e que eu também estava doido para conhecer.

Palco pequeno, mas muito som bom saiu dele
O taxista que pegamos se quer conhecia o local, e quando eu disse a localização do mesmo, o taxista acabou confundindo as ruas e nos deixou duas quadras além do Manifesto, às 20:50. Chegamos no bar às 21:05, e acabamos perdendo a primeira canção (em conversas com alguns fãs que ficaram presentes para a festa que rolou depois do show, descobri que havia perdido "All Night Long", canção que abria os shows do Scorpions nos anos 70).

Entramos exatamente quando "Longing for Fire" já estava sendo apresentada no palco, o que para mim foi uma grande surpresa. Já sabia que o show seria baseado na carreira do Scorpions, mas jamais imaginei que essa pérola de In Trance (1975) estaria diante de meus olhos e ouvidos de forma que não fosse no vinil. Mais chocante ainda para mim foi o Manifesto Bar. Esperava algo nos moldes do bar Opinião (Porto Alegre), mas não. O local é extremamente acanhado, comportando no máximo 500 pessoas, e estava praticamente vazio. Quando chegamos, se tinha cem pessoas era muito. Depois percebi que havia um andar superior, mas que também não deveria ter mais de cinquenta pessoas. Com o passar do show, chegaram mais alguns, mas duvido que tenha tido trezentas pessoas para assistirem um espetáculo desse porte, o que é lamentável, e fico triste em saber que Uli esteja tocando para tão poucas pessoas. Será que ele é tão desconhecido assim em nosso país que os roqueiros não quiseram investir seus cobres?

A frente do palco estava tomada por aqueles cem que eu citei acima, mas como havia muito espaço pelos lados do bar, resolvemos unir o útil ao agradável, e sentamos nas cadeiras localizadas junto ao bar. Assim, derrubando latas da cerveja AC/DC, começamos a sentir (eu principalmente) os arrepios de uma noite assustadoramente fantástica, já que vieram na sequência "Pictured Life" e "Catch Your Train", relembrando a dupla de abertura do segundo melhor álbum do Scorpions, Virgin Killer (1976). Encerrada "Catch Your Trian", "Crying Days" surpreendeu novamente, pois esta é outra canção quase obscura na carreira do Scorpions, relegada ao lado B de Virgin Killer, mas que eu gosto muito, e que foi a primeira a estragar a minha voz.

Essas três faixas serviram para perceber várias coisas: muitos dos que estavam no show se quer sabiam o que estavam vendo, já que várias vezes era possível ouvir as conversas no mesmo nível do som que vinha do palco, como se quem estivesse apresentando-se fosse somente uma mera banda, em total falta de respeito aos músicos, que estavam fazendo um papel fantástico. Por exemplo, duvido que alguém ali sabia que o vocalista era Niklas Turmann, que recentemente estava tocando na ótima banda Jane, e se quer devem ter ouvido falar que existe uma banda progressiva chamada Jane. 

Enfim, falando sobre Turmann, ele obviamente não tem nem de perto a voz de Klaus Meine, mas compensa com carisma e tocando (e muito) guitarra, fazendo o diferencial do Scorpions que eram as linhas de guitarra de Rudolph Schenker, assim como por vezes atrevia-se com categoria a acompanhar as linhas de Uli. A banda aliás era muito boa, com destaque além de Turmann, para a segura performance de Little. 

E o Hendrix alemão demolia as cordas e escalas com velocidade, técnica e puro sentimento. Trajado com seu uniforme tradicional (faixa na cabeça, uma pena amarrada aos ombros e carregando sua lindíssima Sky Guitar), Uli ficou o tempo todo localizado à esquerda do palco, indo para a frente e para trás e quase o tempo todo de olhos fechados, concentrado em suas viagens musicais. O mais interessante é que não havia nenhum set list espalhado pelo palco. Uli comandava o espetáculo de cabeça, anunciando aos músicos qual era a próxima canção, e detonando a mesma. 

Passado "Crying Days", começou a chuva de lágrimas desse que vos escreve. Primeiro, uma estupenda interpretação para um dos maiores clássicos do Scorpions, a linda "We'll Burn the Sky" (Taken By Force, 1977), que infelizmente, nos seus momentos mais amenos, permitiu que a conversa soasse mais alto que a música, o que foi uma vergonha frustrante para mim, mas que não diminuiu em nada a performance dos músicos, que tocaram os sete minutos desse Maravilhoso épico com a mais pura perfeição.

"In Trance" (In Trance), a canção seguinte, foi outra que fez a conversa aumentar de volume, e inclusive, podia se ver crianças entre oito e dez anos brincando de pega-pega entre os presentes (vê se pode isso para um show desse porte), mas eu e alguns exaltados tratamos de resolver o problema cantando o refrão a plenos pulmões. "Sun in My Hand" (In Trance) foi a terceira surpresa da noite, e preparou o ambiente para o momento mais inesquecível da jornada.

Ingresso e flyer de divulgação do show

Uli ficou alguns minutos dedilhando sua guitarra, e eu corri para a frente do palco, incentivado pela minha esposa Bianca, que foi a melhor parceria da noite, curtindo junto cada segundo. Não conseguindo adentrar em uma posição que desse para ver o que estava acontecendo, acomodei-me sob as escadas que trouxeram o grupo do segundo andar para o palco, e dali, assisti ao mundo acabar durante a interpretação de "Fly to the Rainbow". Ouvir aquela que é considerada por mim a melhor canção do Scorpions, registrada naquele que considero o melhor álbum do grupo (Fly to the Rainbow, 1974), é sempre uma experiência mágica, mas ver o que Uli é capaz de fazer nos doze minutos dessa pedrada é inacreditável. 

A canção foi apresentada fielmente a versão de estúdio, inclusive contando com a longa introdução flamenca, só que feita na guitarra, e foi a partir do momento em que Uli começou a cantar  "I lived in magic solitude" que a casa começou a cair para mim, junto com as lágrimas, as quais aumentaram de proporção quando Uli começou a solar o famoso riff final da canção, e despencaram como cachoeira quando o guitarrista humilhou à todos, esganiçando a Sky Guitar com a alavanca, pisoteando a pedaleira, fazendo a mesma uivar, gemer insanamente, arrepiando até os cabelos que caíram com o tempo. Impressionante é pouco para descrever a segurança e a técnica de Uli Jon Roth nesse momento da canção, capaz de fazer parar o tempo e a boca dos que conversavam, as quais ficaram abertas diante de tamanha performance, e quando tudo acabou, não precisava existir mais nenhum segundo. Estava no paraíso.

Felizmente, a vida continuou, e permitiu a mim receber um dedo positivo do próprio Uli, enquanto eu gritava "Thank You!", agradecendo àquele momento propiciado por suas mãos e por sua genialidade, e melhor ainda quando voltei para minha esposa e ela, que já estava emocionada com a apresentação durante "Fly to the Rainbow", ao ver-me banhado em lágrimas acabou chorando junto, de alegria e felicidade por ter vivido aqueles três ou quatro minutos que Uli simplesmente mostrou por que é o melhor guitarrista vivo do hard rock, mostrando o que a música é capaz de fazer, que é realmente mexer com os seus sentimentos.

E dê-lhe alavancadas em “Fly to the Rainbow” *

O que veio depois foi pura festa e curtição do orgasmo musical de "Fly to the Rainbow", em total clima de relaxamento (principalmente para mim). "I've got to Be Free" (Taken by Force) teve uma tentativa de fazer o público cantar o refrão junto, o que não deu muito certo, e foi o momento no qual a banda foi apresentada, e "The Sails of Charon" (também de Taken By Force), com suas escalas egípcias, fez a Sky Guitar enviar alucinógenos pelo ar do Manifesto Bar, enquanto brilhava soberanamente sob as luzes dos canhões que iluminavam o acanhado palco do local.

O microfone presou sua cordialidade para a voz de Uli, que encerrou a noite com magistrais interpretações para "Polar Nights", exibindo uma incontável quantidade de arpejos e bends, e "Dark Lady", que fechou a primeira parte da apresentação. Uma pena que o volume dos microfones não estavam muito altos, e a conversa atrapalhou bastante para ouvir a voz do alemão, mas as arrepiantes alavancadas e bends serviam para compensar essa falha.

CDs autografados

Uli agradeceu em bom português e perguntou: "Do you want some more?". Era a deixa para o bis, que veio em uma dupla homenagem para Jimi Hendrix, com versões afiadas para "All Along the Watchtower" (canção de Bob Dylan, imortalizada por Hendrix) e "Little Wing", sendo que durante a última, certamente o Deus Negro da guitarra deve ter chorado, assim como esse que vos escreve. 

O show acabou após quase uma hora e meia, e confesso que esperava ter ouvido "Hell-Cat", "Yellow Raven", "Aranjuez" e principalmente, algo da carreira solo de Uli, que eu gosto muito, ou dos álbuns da Electric Sun, mas depois de ter apresentado "Fly to the Rainbow", não fez falta.

Contra-capas de clássicos, devidamente autografados

Ao final do show, Uli ainda atendeu a cerca de trinta fãs que esperaram ansiosamente para tirar uma foto com um doutor em solos. Eu consegui bater um papo rápido, cerca de alguns minutos, mas que foi bem legal. Uli foi muito simpático, recebeu os discos que havia levado para a tentativa de autógrafos e, quando eu disse para ele que não se preocupasse em assinar todos, que era apenas para ele ver que eu era um grande fã de sua música, ele apenas disse: "Não se preocupe você, estou aqui para isso, para retribuir o que você fez por mim", e autografou TUDO! Lembrei de um artista nacional que anos atrás, ao ver três LPs de sua coleção em minhas mãos, e depois de um show de apenas uma hora, me perguntou: "Você quer mesmo que eu autografe todos eles?".

Simpatia, carisma e fidelidade aos fãs foram algumas das sensações que Uli nos deixou, mas principalmente, o cara é um monstro. Toca como nenhum outro, e com uma habilidade fantástica. Os momentos que estica a mão e conduz seu som é encantador. 

Mais autógrafos

Uma noite marcante, que terminou com mais algumas cervejas e um retorno tranquilo para casa, após doze horas de viagem. Podem me chamar de louco, mas valeu muito a pena. 

E antes que eu esqueça, quando sai do Manifesto, haveria uma apresentação com bandas cover de Scorpions e Aerosmith. O local estava vazio na sua parte interna, mas na rua, a fila dobrava a esquina, com mais de cem pessoas e faltando uma hora para a casa abrir. Vai entender ...

Bolha babando ídolo e esposa

Track list

1. All Night Long 
2. Longing for Fire 
3. Pictured Life 
4. Catch Your Train 
5. Crying Days 
6. We'll Burn the Sky 
7. In Trance 
8. Sun in My Hand
9. Fly to the Rainbow 
10. I've Got to Be Free 
11. The Sails of Charon 
12. Polar Nights 
13. Dark Lady 

Bis

14. All Along the Watchtower 
15. Little Wing

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