sexta-feira, 14 de junho de 2013

45 anos de In-A-Gadda-Da-Vida





Em 1968, o psicodelismo californiano estava começando a perder forças. Seus principais nomes (Big Brother & The Holding Company, Quicksilver Messenger Service, Moby Grape e Country Joe & The Fish) estavam passando por reformulações, que acabariam levando ao fim precoce dos mesmos. Apenas o Jefferson Airplane conseguia manter seu status intacto, ao mesmo tempo que suas letras (e suas músicas) sofriam grandes mudanças, longe do psicodelismo inicial e voltada para temas sociais, como guerras, religião e família.

Uma nova geração de grupos californianos surgia para desbancar os "velhos grupos", com muito mais LSD nas letras e nas músicas, e com shows muito mais viajantes. Longas canções, improvisações sem fim, temas não só sobre paz e amor, mas também sobre misticismo, magia, entre outros, passaram a aparecer em nomes como It's a Beautiful Day, The Loading Zone e, o mais importante deles, Iron Butterfly.

Formada em 1966, em San Diego, o grupo nasceu como um quarteto, tendo Doug Ingle (vocais, órgão), Greg Willis (baixo), Jack Pinney (bateria) e Danny Weis (guitarra), além do percussionista Darryl DeLoach, responsável também por ceder o local no qual o grupo ensaiou durante suas primeiras semanas de existência. Não tardou para ofertas de shows surgirem para os garotos, que faziam uma mistura psicodélica nas linhas do que o Jefferson Airplane havia feito em seu álbum de estreia (Takes Off, de 1966), e com o assédio de shows, a oportunidade de migrarem para Los Angeles apareceu.

Willis e Pinney decidiram não seguir com o grupo e continuar seus estudos (a idade dos guris variava enre 18 e 20 anos), mas Ingle e Weis pegaram as mochilas e se mandaram, ao lado de Jerry Penrod (baixo) e Bruce Morris (bateria), que não ficou muito tempo, sendo substituído por Ron Bushy. Em Los Angeles, os shows e o boca-a-boca fizeram com que os primeiros empresários aparecessem, e desta forma, surge um dinheiro extra para alugar um estúdio e gravar o primeiro álbum.
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Doug Ingle, Ron Bushy, Lee Dorman e Erik Brann


Porém, as dificuldades em conseguir um contrato com uma empresa fizeram com que Weis, DeLoach e Penrod desistissem da empreitada, voltando para San Diego. Para seus lugares, entram Lee Dorman (baixo) e o novato Erik Brann, com apenas dezessete anos, e a partir daí, a sorte mudou para o grupo. Um grande contrato surgiu para uma turnê pela Califórnia, assim como a ATCO Records (subsidiária da Atlantic Records) resolveu apostar no quarteto, lançando o álbum de estreia, Heavy, em 22 de janeiro de 1968.


Os méritos desse LP são vários, mas vamos destacar apenas três. Primeiramente, Ingle e Bushy respeitaram as gravações originais, e não adicionaram nenhum overdub (dando os direitos autorais para quem os cinco que o tinham gravado). Segundo, o som do Iron Butterfly diferenciava-se dos "concorrentes". Apesar do principal instrumento ser o órgão (assim como o The Doors), o peso que o grupo propôs era absurdo para a época, quase como um precursor do heavy metal (e por isso, o nome do álbum ser Heavy). Terceiro, e diretamente vinculado ao segundo, a guitarra do Iron Butterfly em nada possuía do timbre criado por John Cippolina (guitarrista do Quicksilver Messenger Service), e sim, uma distorção assustadora e enigmática, que ganhou o mundo em clássicos como "Possession", "Unconscious Power" e principalmente, "Iron Butterfly Theme".

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Doug Ingle

Heavy entrou entre os 100 mais (atingindo a posição 78), e claro, a ATCO rapidamente liberou a verba para o segundo LP. Para cômpor as canções, o grupo inspirou-se nos seus shows, e, mesmo com a contrariedade da gravou, resolveu apostar em uma longa improvisação que apareceu naturalmente no decorrer das apresentações. Foi essa improvisação, batizada de "In-A-Gadda-Da-Vida", que também batizou o nome do segundo álbum, lançado exatamente há 45 anos.


O disco abre com as marcações de "Most Anything You Want", trazendo o riff central do órgão e as vocalizações que levam ao vocal de Ingle, em uma leve canção típicamente californiana, com o baixo de Dorman chamando bastante a atenção, Brann fazendo um solo muito tímido e Ingle soltando os dedos em um solo concorrente aos solos de Ray Manzarek (The Doors). A mesma linha é adotada na clássica "Flowers and Beads", possuindo um tom de romantismo extremamente mela-cuecas para a época, principalmente pelos acordes de guitarra e os vocais sussurrados de Ingle. Aqui, as vocalizações - duelando com o órgão - e o baixo novamente se destacam.

A acidez esperada surge em "My Mirage", com uma bela introdução e um andamento soturno, um show de vocalizações e o andamento reggae da guitarra de Brann, enquanto "Termination", que conta com os vocais principais feitos por Dorman, apresenta um riff que virou característico do hard setentista. Gosto muito dos dedilhados e das pontes feitas por Brann nessa canção, exalando melodia com notas singelas, mas muito bem encaixadas.

O lado A encerra-se com outro clássico, "Are You Happy?", repleta de peso e com mais um show de vocalizações feito por Ingle e Dorman, além do órgão, baixo e da guitarra se sobrepondo no trecho final, com Bushy imitando uma locomotiva em uma performance avassaladora, sendo impossível não fazer um air-drum nesse momento. Destaque também para o ácido solo de Brann, sem soar virtuoso, mas muito barulhento e repleto de feeling.
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Iron Butterfly ao vivo
O lado B é todo dedicado para a faixa-título, que surge com o dedilhado mais conhecido do órgão de Ingle, trazendo o riff hipnotizante que sacudiu os pubs americanos (e por que não mundiais) no final da década de 60. O arranjo fantasmagórico da canção, com o órgão e a guitarra executando sempre as mesmas notas, e a cozinha acompanhando preguiçosamente, assustam logo de cara, e claro, a voz grave e rouca de Ingle causa ainda mais transtornos ao corpo do vivente. Com apenas dois minutos da canção, já chegamos no começo da longa viagem instrumental que irá durar quase toda a canção, com Ingle fazendo um solo simples, sem virtuose, acompanhado eternamente pelo riff central executado por baixo e guitarra.

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Ron Bushy 
Na sequência, é a vez de Brann ser o centro das atenções, pisoteando o wah-wah e arrancando uivos da guitarra, os quais, para um garoto de apenas dezessete anos, são muito bem feitos. Imagino como era a festa quando o pessoal ouvia esse som ao vivo, com os braços levantados, o corpo balançando sem um movimento fixo, e o LSD sendo passado de língua em língua, para com os olhos fechados, curtirem ainda mais a viagem. Brann larga o wah-wah e pisa na distorção, extremamente suja, advinda de "Iron Butterfly Theme", e o volume do som diminui, chegando então no principal momento de "in-A-Gadda-da-Vida".

Esse momento é o solo de Bushy, o qual foi inspirado nas tribos africanas. Não há virtuosismo, rufadas ou viradas estonteantes. Apenas a marcação constante do bumbo e uma série de batidas que criam diferentes ritmos, os quais aumentam de velocidade quando Bushy troca a marcação no bumbo pela marcação no chimbal. Esse foi um dos primeiros solos de bateria a serem gravados por uma banda de rock. Os solos de bateria eram comuns em grupos de jazz (vide Max roach, Louis Bellson e Buddy Rich, apenas para citar alguns), mas o de Bushy foi pioneiro. Apesar de não ser longo, serviu de inspiração para que meses depois, John Bonham gravasse "Moby Dick", e Ginger Baker gravasse "Toad".

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Erik Brann


O solo é concluído, e com um acompanhamento muito leve, o órgão de Ingle surge, com longos acordes, trazendo notas extraídas de alguma catacumba medieval, as quais aumentam de volume gradativamente. Barulhos de guitarra explodem nas caixas de som, e Ingle continua por seus delírios medievais, retornando lentamente ao riff central da canção, trazendo o baixo e mais um solo ácido feito rapidamente por Brann.

O riff repete-se por diversas vezes, levando-nos para mais uma sessão percussiva, com Dorman cavalgando em seu baixo enquanto bateria e guitarra fazem muitos barulhos. O órgão executa um tema extremamente assustador, e a guitarra faz barulhos incomuns, com Brann abusando de distorções e alavancadas, além da sobreposição de distorções, e assim, retornam ao riff central, agora com mais pegada na bateria, para Ingle repetir a letra da canção, que narra apenas o prazer de um homem em estar com a mulher amada, pedindo para levá-lo ao paraíso.

A suíte encerra-se com a repetição do riff central por quatro vezes, trazendo a introdução do órgão novamente, e concluindo com a repetição, mais uma vez, do riff central, dando a ideia de uma composição cíclica (o início e o fim ligados pelo mesmo riff). Uma ideia fantástica, empregada também pela primeira vez através dos sulcos vinílicos do segundo álbum do Iron Butterfly.

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Nos Estados Unidos, "In-A-Gadda-Da-Vida" saiu em dois singles diferentes, o primeiro com "Iron Butterfly Theme" no lado B (ambas em versões editadas), e o segundo com "Soul Experience" no lado B. Houve ainda um lançamento mundial em EP, com "Flowers and Beads" complementando o lado A, e "My Mirage" no lado B. Outro single extraído mundialmente foi "Termination", com "Most Anything You Want" no lado B. A canção foi eleita a vigésima quarta mais importante de todos os tempos pelo Canal de TV a cabo VH1, em 2009. O single americano alcançou a trigésima posição na Billboard, sendo nono na Alemanha. Para se ter ideia do sucesso da canção, ela foi regravada por quase uma dezena de bandas, sendo as versões mais interessantes a da Incredible Bongo Band e a do Slayer.

Outra versão bem legal aparece no episódio Bart Vende Sua Alma, na Sétima Temporada do seriado Os Simpsons. Fora Os Simpsons, seriados como O Fantástico Mundo de Bobby, Criminal Minds, Supernatural, entre outros, apresentam a canção em determinados episódios, sempre simbolizando um momento de alucinação do personagem ou da ação que se passa. "In-A-Gadda-Da-Vida" portanto, virou sinônimo para representar a segunda metade da geração psicodélica californiana (assim como "The End" do The Doors, e "White Rabbit", do Jefferson Airplane, foram para a primeira).

O disco chegou na terceira posição na Billboard, vendendo mundialmente mais de três milhões de cópias em apenas um ano de lançamento, e recebendo disco de ouro em dezembro de 1968, sendo o disco mais vendido da história da Atlantic até o lançamento do quarto álbum do Led Zeppelin, em 1970.
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Lee Dorman e Ron Bushy, ao vivo


Em 1976, foi o primeiro disco da história a receber disco de platina (mais de um milhão de discos vendidos) nos Estados Unidos, e hoje, possue platina quádrupla. Ao redor do mundo, o álbum vendeu mais de trinta milhões de cópias, e hoje, ocupa a posição número 27 entre os mais vendidos da história da música *.

O sucesso do grupo levou-os a ser convidados para serem headliner em Woodstock. O grupo tocaria durante o fim da tarde de domingo, mas houve um erro de comunicação entre empresários e a banda. Segundo Bushy, houve um atraso no avião que levou o grupo de Los Angeles para Nova Iorque, o que os impediu de chegar no horário combinado. Porém, um helicóptero teria sido alugado para levá-los diretamente para Woodstock, saindo de Port Authority. Os integrantes dirigiram-se três vezes até o local, esperando pelo aeroporto, mas nunca o mesmo chegou ao local. O Iron Butterfly perdia a oportunidade de fazer mais sucesso do que já havia feito.

E continuou fazendo, pois Ball, o terceiro LP, chegou na terceira posição nos Estados Unidos. e teve sua turnê registrada em Live (1970), Top 20 nos Estados Unidos. Mas, quando tudo parecia dar certo, mais uma (de tantas) mudanças na formação afetou diretamente o som do grupo. Brann saiu, sendo substituído pela dupla Mike Pinera e Larry "Rhino" reinhardt, que também assumiram a posição de vocais. O agora novamente quinteto gravou o seminal Metamorphosis (1970), Top 16 na Billboard americana e talvez seu melhor disco, apesar da profunda mudança na sonoridade, já que com o crescimento de nomes como Led Zeppelin e Deep Purple no Reino Unido, o Iron Butterfly consolidava-se como um grupo pesado, virando um símbolo do hard americano.
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Em sentido horário, Lee Dorman, Ron Bushy, Doug Ingle e Erik Brann
Porém, apesar de todo o sucesso, Ingle decidiu sair do grupo, que ainda lançou o raro single "Silly Sally", única gravação do Iron Buttterfly que não contém o som de um órgão, contando com um maravilhoso swingue e um incrível arranjo de metais. O single foi um fracasso, levando ao fim precoce do grupo, em 23 de maio de 1971. Dorman e Reinhardt formaram o incrível Captain Beyond, juntamente de Rod Evans (vocais) e Bobby Caldwell (bateria), expandindo as opções hardianas no sensacional álbum de estreia, já em 1972.

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Lee Dorman
Várias foram as reforumações posteriormente. Em 1974, o grupo voltou com Erik Brann e Ron Bushy acompanhados por Philip Kramer (baixo) e Howard Reitzes (órgão), com Brann assumindo os vocais. Essa formação lançou os dois últimos discos de estúdio do Iron Butterfly: Scorching Beauty (1975) e Sun and Steel (1975), o último já com Bill DeMartines no lugar de Reitzes.

A partir de então, o grupo virou um cover de si mesmo, fazendo turnês e sofrendo diversas formações, sem nunca mais gravar nada em estúdio, e principalmente, carregando (ainda hoje) o legado de ter gravado In-A-Gadda-Da-Vida há quarenta e cinco anos.

Para concluir, infelizmente o grupo já perdeu vários membros. Keith Ellis (1978), Kurtis Teal (1985), Darry DeLoach (2002), Erik Brann (2003), Rhino (2012) e Lee Dorman (2012) foram tocar lá onde o principal sucesso do grupo tinha seu nome, nos Jardins do Éden!
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Contra-capa de In-A-Gadda-Da-Vida


Track list


1. Most Anything You Want
2. Flowers and Beads
3. My Mirage
4. Termination
5. Are You Happy?
6. In-A-Gadda-Da-Vida


* esse dado aparece confuso em diversos sites, que colocam o álbum ora em vigésimo, ora em quinquagésimo. A informação passada é uma estimativa levando em consideração a comparação entre o número de álbuns vendidos por In-A-Gadda-Da-Vida e outros álbuns com a mesma quantidade.

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