quinta-feira, 12 de julho de 2012

Panna Fredda




O rock progressivo italiano é tão importante para o gênero quanto o britânico, apesar de não ser tão reconhecido assim mundialmente. Muito desse não reconhecimento se deve ao fato de a maioria das bandas progressivas saídas do país da bota lançaram álbuns somente dentro da Itália, não tendo a chance de atravessar os alpes e galgar sucesso pela Europa. É o caso do Panna Fredda.

O grupo foi formado em Roma, em meados de 1969, tendo na sua formação um quinteto formado por Angelo Giardinelli (guitarra, voz), Carlos Bruno (teclados), Giorgio Brandi (baixo, teclados, voz) e os irmãos Julio e Filippo Carnevale (bateria) e , batizados de I Figli del Sole (O filho do Sol). Esse nome é modificado para The Vun Vun, mesmo nome do bar onde o grupo passou a tocar frequentemente. O som do Panna Fredda era próximo ao funk Motowniano, principalmente por ser esse o estilo pedido pelos jovens nos bares locais de Roma, mas o quinteto não estava satisfeito com o estilo adotado, e logo, começaram a vislumbrar uma nova linha para seguir adiante.

A principal vontade era tocar blues, mas um dia, Angelo Giardinelli viajou para a Tunísia, e de lá, voltou com discos de bandas como Vanilla Fudge, Moody Blues e King Crimson, os quais ele havia conseguido com a filha do embaixador dos Estados Unidos naquele país. Entre outras bandas como Jimi Hendrix Experience, Mother of Invention e Uriah Heep, o que mais chamou a atenção de Giardinelli foi Pink Floyd. A partir de então, Giardinello estabeleceu a ideia de criar um grupo com sua sonoridade para o rock progressivo.

Giardinello então primeiro convenceu Bruno. Primeiro, os dois começaram a discutir sobre montar um grupo. Bruno estava fissurado por nomes como Wilsn Pickett e James Brown, e queria manter o funk como o som do grupo, mas bastou Giardinello colocar a versão do Deep Purple para "Hey Joe" na vitrola que a ideia mudou. O próximo passo foi seduzir Brandi, que aceitou de cara, já que estava cansado dos sopros de Julio. O mais difícil foi convencer Filippo, pois ele era irmão de Julio. Porém, a aceitação de Filippo foi imediata, já que ele estava bem afim de se livrar da pressão e opressão do irmão mais velho.

Panna Fredda ao vivo em 1970


Passam a ensaiar escondidos de Julio, e não demorou para se acharem como quarteto. Não tardou para o novo grupo, ainda sem nome, chegar aos ouvidos da Vedette, uma das maiores empresas fonográficas da Itália, responsável por lançar os discos do famoso grupo beat-pop Pooh. A Vedette chegou ao grupo de Giardinello através da indicação de nomes fortes da cena musical italiana, como Roby Crispiano, e ofereceu um contrato para o lançamento de um compacto de 45 RPM, vendo no novo grupo um possível substituto para o Pooh (inclusive sugerindo linhas melódicas no início da conversa com o grupo).

Ao fim, um acordo foi firmado, e quando o chefe da Vedette,  perguntou para Giardinello: "Qual é o seu nome?", o guitarrista respondeu: "Angelo!". "Como assim Angelo? O nome da banda é Angelo? O guitarrista percebeu que não tinha um nome para sua banda, e assim a Vedette disse que iria interferir e ajudar a decidir através de uma lista a ser montada pelos integrantes do grupo.

Enquanto isso, mandam-se para Veneza, onde passam a tocar no bar Caorle, apresentando-se como Caorle Band, enquanto discutiam um novo nome. Dentre vinte nomes escolhidos, a Vedette viu no último aquele que mais chamou a atenção, e assim, de uma homenagem ao Vanilla Fudge nasceu o Panna Fredda (Creme Frio em português). Com esse nome, assinam com a Vedette, e logo começam a ensaiar para gravar o compacto.


Em 1970, chega às lojas o compacto "Strisce Rosse" / "Delirio". As duas canções foram escritas por outros artistas para o grupo. O primeiro compacto lançado pela Vedette em poucas semanas entrou nas paradas como um dos mais vendidos daquele ano, permanecendo na mesma durante quatro semanas na primeira posição. Satisfeita, a Vedette libera dinheiro para mais um compacto, e durante o verão de 1970, o grupo lançou "Una Luce Accesa Troverail" / "Vedo Lei", que também fez um relativo sucesso, levando a Vedette para liberar a gravação de um LP completo.

Quando tudo parecia dar certo para o Panna Fredda, Brandi foi chamado para integrar o exército italiano na Sicília, ao mesmo tempo que Bruno já demonstrava desinteresse, buscando novos grupos para tocar, em uma linha parecida com Black Sabbath. Assim, a dupla Giardinelli e Filippo estavam sozinhos, precisando fazer um LP. O primeiro nome a entrar na nova formação do Panna Fredda foi o tecladista Lino Stopponi. Junto dele, Giardinello, chamou o baixista veneziano Pasquale Cavallo, mas, quando as gravações começaram, Filippo decidiu largar a música, investindo no seu casamento e também seguindo uma carreira militar.

Cavallo sugere a contratação do baterista Roberto Balocco, um jovem mas talentoso garoto de 17 anos. Assim, com Giardinello, Stopponi, Cavallo e Balocco, temos a formação que conclui Uno, LP de estreia (e único) do Panna Fredda. Lançado em 1971, Uno foi uma batalha muito grande entre a nova formação do Panna Fredda e os desejos musicais da Vedette, que desejava ver no Panna Fredda uma sequência do Pooh, mas os garotos desejavam seguir uma linha independente, voltada para o progressivo. Antes de entrarmos nos detalhes do disco, vamos comentar um pouco mais sobre o longo período de gravação do mesmo.

Vários shows pela Itália fizeram com que a recepção do público com o som do Panna Fredda fosse positiva. O Panna Fredda virou headliner em muitos festivais pelo país, além de aparecer frequentemente em programas de rádio, convencendo a Vedette que aquele era o caminho ideal, e decidindo finalmente por lançar o álbum.

O álbum abre com "La Paura", começando com os uivos dos sintetizadores, que traz o riff de guitarra e órgão e os vocais de Giardinelli, acompanhados levemente por marcações nos pratos e pelos barulhos dos sintetizadores, construídos por Enzo Danna. A canção então muda, com um ritmo marcado dos riffs da guitarra e o órgão fazendo um solo maravilhoso, com notas longas, simples, formando um hard-psicodélico delirante junto da marcação de guitarra, baixo, órgão e bateria. Na sequência, guitarra e sintetizadores criam um bonito tema, que com a companhia das viradas na bateria, abre espaço para a terceira parte da canção, com um riff sujo, onde a bateria agora comanda o ritmo cadenciado para o lindo solo de guitarra. O riff sujo é repetido, com mais um curto solo de guitarra, voltando ao riff inicial, o qual vai aumentando sua velocidade entre barulhos de sintetizadores e a locomotiva sonora da bateria, encerrando com marcações precisas e muitos barulhos dos sintetizadores.

Baixo, guitarra, órgão e viradas de bateria introduzem "Un Re Senza Reame" em uma intrincada peça musical, da qual o órgão aparece, entoando longos acordes. Uma escala feita entre órgão e guitarra deixa somente o órgão, em um longo acorde que nos apresenta os vocais de Giardinelli, acompanhado por violões e órgão. A bateria surge lentamente, e depois de um belíssimo momento vocal, onde todos fazem um lindo coral acompanhado apenas pelo órgão, a bateria segue o ritmo lento, e a letra continua, tendo a companhia do coral.


O órgão faz seu solo, e entramos na maluca sessão instrumental, a qual começa com as escalas de baixo e órgão sendo acompanhadas pela marcação precisa e complicada da bateria, para a guitarra despejar distorção, criando um riff marcado. A bateria então da velocidade junto ao riff, e desta forma, encerrar a canção.


O lado A é concluído com "Un Uomo". A bonita introdução do órgão e bateria fazendo as marcações com o baixo e a guitarra, é seguida por vozes graves e o peso da guitarra e do órgão. As marcações do órgão e da bateria se destacam, e repentinamente, a canção para. Giardinelli declama o poema de um assassino que matou por amor, enquanto baixo e bateria fazem a soturna marcação. As vozes graves reaparecem após uma breve sessão instrumental, trazendo a introdução de "Un Uomo", e a partir daí, baixo e bateria comandam o embalado ritmo para o solo de órgão, enquanto a guitarra apenas marca o tempo. Do embalo, surge o solo de guitarra, com notas tímidas, voltando então para a sequência da história, encerrando a canção com os vocais graves e a introdução aparecendo mais uma vez, além de uma bela sequência de terças do órgão.




Lado A de Uno

O lado B abre com "Scacco Al Re Lot", trazendo seu tema alegre, construído pelo baixo e pela guitarra. Giardinelli entoa a letra da canção na mesma melodia do tema elaborado por baixo e guitarra, e o órgão serve apenas como acompanhante dos dois instrumentos, além da bateria sempre com destaque. Baixo e bateria passam a fazer um duelo de notas e batidas, e a canção muda, com o dedilhado de um violão acompanhando os tristes vocais junto do órgão e da leve marcação de baixo e bateria. Em um ritmo, uma tradicional canção italiana é entoada pelo órgão, e então, violão e cravo modificam a canção mais uma vez, e assim, um novo tema, pesadíssimo, aparece, trazendo moog e guitarra para concluir a canção com as marcações iniciais.


A épica "Il Vento, La Luna e Pulcini Blu (Sole Rosso)" começa com o dedilhado do violão, a marcação de baixo, bateria e cravo, sendo o cravo o responsável por acompanhar os vocais chorosos de Giardinelli. Um breve tema do cravo inicia a estranha sessão instrumental, na qual o órgão parece estar sendo quebrado, com seis notas muito confusas, enquanto a marcação é apenas nos pratos, órgão, violão e bateria.


O tema do cravo é repetido, e harmônicos no violão trazem novamente os sinistros efeitos de sintetizadores, com barulhos saídos de algum delirante local na mente de Dana. Voltamos para o tema do cravo, com todas as suas marcações e um trabalho de violão muito bem elaborado, para agora, a guitarra, carregada de distorção, fazer o seu "solo estranho", entoando as mesmas seis notas do sintetizador, e assim, depois da maluquice central, a letra é retomada, chegando na parte final de "Il Vento, La Luna e Pulcini Blu (Sole Rosso) com o cravo criando um intrigante e assustador tema, enquanto o violão flamenco de Giardinelli tem seu ritmo acompanhado pela bateria e pelo baixo, fazendo uma maravilhosa maluquice italiana para britânico nenhum botar defeito, e concluindo com mais um tema folclórico italiano, feito pelo violão.


O único LP do Panna Fredda encerra-se com "Waiting", cuja introdução é uma agressiva sessão percussiva e efeitos de sintetizadores, tendo o órgão como peça central durante um minuto da canção, fazendo barulhos dos mais diversos. A percussão dá espaço para o riff da guitarra, e então, baixo e órgão criam o novo riff, com o ritmo cavalgante da bateria acompanhando o riff do órgão. O riff da guitarra é repetido, assim como o riff do órgão, por duas vezes seguidas, e a barulheira pega no final dessa maluca canção instrumental.

Uno acabou falindo nas vendas, primeiro pela péssima distribuição feita pela Vedette, que não estava interessada em ter um grupo de rock progressivo como centro das atenções, e segundo, pela briga entre Cavallo e Giardinelli, já que o primeiro havia integrado a banda de Arthur Brown, e estava afim de consolidar-se com o som psicodélico, algo que Giardinelli não aceitava.

O Panna Fredda decretou seu fim pouco depois de Uno ser lançado, mesmo com a insistência da Vedette para Giardinello seguir com o grupo. Giardinello abandonou a música, mas passou sua paixão para os filhos, que na maioria dos dez gerados pelo guitarrista e por sua esposa, são músicos profissionais na Itália.

Brandi, após sair do exército, integrou o grupo Country Cousins, com quem viveu uma carreira bem-sucedida até 1996, quando abandonou o grupo para trabalhar como produtor. Hoje, trabalha com um estúdio de gravação próprio. Já Balocco integrou posteriormente o grupo Caosicum Red, enquanto Cavallo entrou no grupo Camello-Buck, que posteriormente originou a dupla Rustichelli-Bordini.

Uno é um álbum grandioso, altamente representativo do progressivo italiano em seus pouco mais de trinta e três minutos, e que merece muito mais sucesso do que o obtido na sua época (que aliás, foi quase zero), mas sua história seguiu a mesma de diversos outros grupos do país (como o La Seconda Genesi, por exemplo), destinado a ser descoberto por jovens de todo mundo através da internet.

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