quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Shákti: a viagem indiana de John McLaughlin

  
O guitarrista John Mclaughlin sempre foi conhecido pelo seu talento em revelar grandes músicos, e também por ser um ídolo de gênios do calibre de Eddie Van Halen, Steve Vai e até mesmo Frank Zappa. 

John estreou na carreira musical com o excelente álbum "Extrapolation" (1969), onde seu virtuosismo jazzístico, aliado à precisão de Tony Oxley na bateria e Brian Odgers no baixo, bem como o talento de John Surman nos sopros, pode ser considerado como as raízes do fusion e da world music.

Nos anos seguintes, McLaughlin lançou "Devotion" (1970) e "My Goals Beyond" (1971), seguindo a mesma linha de "Extrapolation".

Nesse meio tempo, John tentou realizar aquilo que sempre foi seu sonho: montar um grupo que misturasse jazz, rock'n'roll, blues e música clássica. O maior detalhe desta banda é que ela não deveria ser parecida com outras da época que tentavam soar da mesma forma (o que veio a ser chamado de progressivo), mas sim basear-se única e exclusivamente em longas seções dedicadas ao improviso e à harmonização das canções. 

 
Surge então em 1971 a Mahavishnu Orchestra, onde McLaughlin é apoiado nada mais nada menos por Jerry Goodman (violinos), Billy Cobham (bateria), Jan Hammer (teclados) e Rick Laird (baixo), entre outros menos conhecidos. Isto na primeira encarnação da Mahavishnu. Na segunda (1974), os músicos eram Gayle Moran nos teclados e vocais, Jean-Luc Ponty no violino, Ralphe Armstrong, no baixo e Narada Michael Walden na bateria. 

Como era esperado, a Mahavishnu se revelou uma grande banda, com excelentes músicos, mas com egos muito complicados. Mesmo assim, o grupo fez sucesso com excelentes discos como "The Inner Mountain Flame" de 1971 e "Apocalypse" de 1974.Em 1974 John reencontrou um velho amigo indiano, Lakshminarayanan Shankar (L. Shankar), o qual já tinha feito seu nome tocando com Ornette Coleman e Jimmy Garrison durante o final da década de 60. 

Em um concerto de Shankar, McLaughlin ficou extasiado com a sonoridade que vinha da percussão que acompanhava o violinista, a qual era formada somente por instrumentos indianos.A partir de então, alguns contatos foram feitos e, com poucos ensaios, Shankar e McLaughlin se uniram, formando uma das mais espetaculares bandas da década de 70, a Shakti. 

Basicamente na Shákti McLaughlin teria a oportunidade de fazer aquilo que não conseguia na Mahavishnu: tocar sem compromisso, sem seguir regras, apenas seguindo o sentimento e a própria vontade. Os outros integrantes da Shakti eram Zakir Hussain (tabla), Thetakudi Harihara Vinayakram (ghatam) e Ramnad Raghavan (mridangam), todos naturais da Índia. 

Para tocar com os músicos indianos, John encomendou com o luthier da Gibson, Abraham Wechter, um violão especial, que trazia sete cordas adicionais perpendiculares às seis cordas tradicionais do violão normal, as quais davam um som parecido com o de uma cítara.
 
Logo no primeiro lançamento, uma obra-prima. "Shakti with John McLaughlin" foi gravado ao vivo em um concerto na sala de espetáculos do Colégio South Hampton, em Nova Iorque. O lado A conta com "Joy", com um belo trabalho de Hussain, e "Lotus Feet", que viria aparecer depois na turnê de McLaughlin com Paco De Lucia e Larry Coriell. 

Já no lado B temos a incrível "What Need Have I for This - What Need Have I for That - I Am Dancing at the Feet of My Lord - All is Bliss - All is Bliss", que, conforme seu nome, possui mais de 28 minutos de muita improvisação e sentimento. Durante toda a faixa fica claro que os músicos estão em êxtase em cima do palco, no auge da inspiração e harmonia. Os duelos de ghatam e tabla sobressaem em várias etapas. O clima indiano e a levada diabólica da música com certeza irão fazer você viajar pra outro mundo, mesmo estando no seu quarto. 

Isso era o principal da Shakti, a viagem sem fim. Mesmo contando com um guitarrista de renome, não era ele o destaque da banda, aliás o grupo não tinha um destaque. Todos se encaixavam de forma a harmonizar cada segundo da canção, tornando assim a música uma peça não só para ser ouvida, mas também absorvida como um bom vinho.
Em 1976 a Shakti lança o fabuloso "A Handful of Beauty". Logo de cara, uma inovação: os músicos introduzem a canção "La Danse Du Bonheur" com vocalizações que imitam as batidas de uma tabla. Perfeito!  Após a introdução, uma ótima sequência entre violão e violino dá início a uma levada forte, com um solo de violino rápido e eficiente. "Lady L." diminui um pouco o ritmo da faixa anterior, e traz mais um belo solo de L. Shankar. É difícil não ouvir essa música e compará-la com a versão de "Kashmir" do UnLeded

"India" talvez seja a mais bela composição do grupo, o que mostra que a Shakti havia evoluído em termos de organização, não detendo-se apenas em evoluir em cima de improvisos. A canção começa com lentos dedilhados e arpejos de John, os quais vão aumentando a cadência lentamente e servem de base para que L. Shankar delire em cima de seu violino. Um longo improviso se faz ouvir, e com certeza, o clima oriental preenche o recinto em que você estiver ouvindo essa canção. Com o passar dos 12 minutos, temos uma pequena sequência de harmônicos executadas juntamente com a percurssão e o violino fechando a canção. Simplesmente demais. 

O lado B começa com a rápida "Kriti", onde temos várias sequências em que o violão faz duelos com o violino e com a tabla. É importante destacar que Zakir Hussain está em papel de destaque em todas as faixas, executando a tabla como poucos. A faixa seguinte, "Isis", está no mesmo nível de "India". Quinze minutos de uma sequência de solos de Shankar e John, sempre intercalados por um riff principal onde ambos fazem algo típico do oriente. 

O LP termina com "Two Sisters", um lamento super lento apenas com John no acompanhamento e L. Shankar executando um solo triste, porém marcante, que deixa um gosto de quero mais para o ouvinte.
                   

Em 1977 é lançado "Natural Elements". O disco tentou abranger um lado mais comercial, não possuindo nenhuma faixa com mais de sete minutos, e com os instrumentos indianos sendo substituídos (ou melhor, superados na audição) por instrumentos mais ocidentais como cymbals, triângulos e bongôs. 

O disco começa com a rápida "Mind Ecology", onde, mesmo com os novos instrumentos, existe uma levada bem oriental. Na sequência, "Face to Face" é a mais comercial de todas. Uma música que poderia ser encaixada em qualquer disco dos anos oitenta. 

A curta "Come on Baby Dance With Me" (olhem o nome da canção!!!) dá início à bela "The Daffodil and The Eagle". Esta é a que mais se assemelha aos sons anteriores da Shakti, até por que é a maior faixa do álbum. O início lento, apenas com o violão e o violino, dá um clima bem oriental, que se alterna depois entre um ritmo mais rápido, ou não. O sincronismo de notas entre McLaughlin e Shankar é fantástico. A mistura de escalas de blues feita por John com um acompanhamento oriental da parte percussiva cria um sabor diferente para o ouvinte, dando realmente um nó na cabeça daquele que não está acostumado com inovações. Essa canção já vale o investimento do disco. 

O Lado B é mais fraco, mas mesmo assim traz momentos interessantes como as vocalizações à la "Danse ..." em "Get Down and Sruti", e também a bela "Peace Of Mind".


John resolveu voltar para a carreira solo após esse álbum, lançando o magistral "Electric Guitarist" em 1978. Depois disso, alternou bons e maus momentos em sua carreira solo, reviveu a Mahavishnu Orchestra nos anos oitenta e fez sucesso com o trio  ao lado deAl Di Meola e Paco De Lucia. Os demais integrantes da Shakti seguiram suas carreiras independentemente, com Vynaiakram sendo o primeiro músico indiano a ganhar um Grammy (isso já na década de 90).

Em 1997, John, Hussain e Vinayakaram, juntos com o músico convidado Hariprasad Chaurasia nas flautas, se reuniram para uma pequena turnê chamada "Remember Shakti", a qual ficou registrada em CD duplo com o mesmo nome. Infelizmente L. Shankar não pôde comparecer aos shows, mas certamente o clima entre os músicos remanescentes era excelente, e o destaque maior do disco fica por conta da faixa "Mukti", com seus mais de 63 minutos (!!!) de muito improviso. Essa formação ainda lançou os álbuns "The Believer" (1999) e "Saturday Night in Bombay" (2001), mas infelizmente acabaram por se separar.


De qualquer forma, a Shakti deixou seu nome registrado na história musical, não somente por ser a primeira banda a misturar sons ocidentais e orientais de uma forma totalmente improvisional, mas também por suas belíssimas composições e arranjos que ficam na cabeça por muito tempo.

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