quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Supertramp - Brother Where You Bound [1985]



O ano é 1985. O rock dito "progressivo" já havia falecido, sido enterrado e estava apodrecendo em algum cemitério do mundo da música. Os dinossauros como Yes, Pink Floyd e Genesis se venderam para um pop barato e digestivo, arrebatando fãs nos EUA (principalmente), vendendo milhões de discos, mas fugindo totalmente da sonoridade que os consagraram nos anos 70. Outros, como King Crimson e Gentle Giant, viraram uma espécie de new age que não durou mais do que cinco anos. Jethro Tull, Rush, Premiata Forneria Marconi e Focus se perderam em um mundo eletrônico de onde demorariam anos para sair. E alguns, por pura conveniência, formaram grupos como o Asia, uma excelente banda AOR, com ótimos músicos, mas que no fundo não tinha nada a ver com o progressivo. Fora todos os outros que se enterraram por si mesmos (Van der Graaf Generator, Emerson Lake & Palmer, Henry Cow...)

Mas uma banda, que nem era tão progressiva assim, fez valer o título de rock progressivo justamente nesse ano. Estou falando do Supertramp. Os mais desavisados até podem pensar em jogar as pedras, mas o Supertramp já flertara com o progressivo antes, principalmente no seu álbum de estreia, Supertramp (1970), que tinha nas guitarras Richard Palmer (que depois iria fazer as letras do King Crimson), e que contava com uma Maravilha chamada "Try Again". Depois, "Aries" (1971), "Rudy" (1974) e outra Maravilha, "Fool's Overture" (1977) sempre davam as caras do progressivo que o Supertramp podia, mas se negava a fazer.

Os remanescentes: Dougie Thomson, Bob Siebenberg
John Helliwell e Rick Davies 

Em 1983, o Supertramp sofria o maior baque da sua carreira. Cansado e depressivo, o vocalista, guitarrista, tecladista, compositor, cobrador de escanteio e cabeçeador do mesmo Roger Hodgson decidia pedir arrego e ficar em casa com a família, deixando Rick Davies (piano, órgão, voz), John Helliwell (sax, flautas, instrumentos de sopro, voz), Bob Siebenberg (bateria) e Dougie Thomson (baixo) praticamente na mão.

Rick tinha uma banda no auge do sucesso, que havia eternizado álbuns como Crime of the Century (1974), Breakfast in America (1977) e ...Famous Last Words (1982) no hall dos maiores discos da história, e se via no desafio de manter esse status. Depois de um ano de férias, Rick voltou à ativa, e começou a planejar o primeiro álbum do Supertramp sem Roger.

Algumas canções foram criadas, e nesse meio tempo, Rick sentiu falta das guitarras de Roger em suas canções. Em uma conversa com Helliwell, desabafou, e falou que precisava de um guitarrista tão bom quanto Roger, um cara no nível de David Gilmour, e que via em um guitarrista de estúdio da gravadora A&M (gravadora do Supertramp à época) a solução para o problema.

Foi então que um dos gerentes da A&M, Jordan Harris, ao ouvir a conversa, entrou na sala e falou: "Mas por que não o próprio Gilmour?". Gilmour estava estacionado com o Pink Floyd, brigando pelo nome da banda contra Roger Waters, e recebera uma demo do Supertramp para fazer parte da banda. Porém, Gilmour pretendia reativar o Floyd, mas como um bom cavalheiro, aceitou participar das gravações do próximo LP do Supertramp.

No final, Gilmour participou apenas da faixa título, "Brother Where You Bound", que também contava com Scott Gorham (Thin Lizzy e cunhado  de Bob), e registrou nos sulcos do LP Brother Where You Bound algo que em 1985 já não se pensava mais em ouvir.

 Os bonecos simbolizando a guerra entre
EUA (azul) e URSS (vermelho)

"Brother Where You Bound" é uma canção-manifesto contra a Guerra-Fria e o socialismo. Rick concentrou-se na famosa obra 1984 (de George Orwell) e começou a expandir a letra da canção jogando no ventilador de todos aqueles que participavam da Guerra Fria, com uma direção certa nas cabeças americanas e soviéticas. 

Logo na abertura, falas narrando 1984 são ouvidas entre acordes de sintetizadores, até entrar no hino socialista/comunista "The Internationale", o qual é executado por uma flauta tocada por Scott Pages, chegando no piano de Davies, que começa a dedilhar alguns acordes e a cantar "There is a red cloud hanging over us". O nome da canção surge acompanhado de marcações de baixo, guitarra e bateria, e Rick segue dedilhando o piano com intervenções agonizantes da guitarra de Gilmour. O nome da canção é repetido novamente, e então, ganhamos um ritmo.

Gorham puxa uma espécie de marcha nas guitarras, e assim Rick vai declamando seu poema-manifesto ("and the message that they're giving you is the same old alibi ... and the phone rings and you disappear in the middle of the night") enquanto o ritmo marcial acompanha o poema com uma cadência que somente a cozinha do Supertramp Bob/Dougie sabia fazer.

Rick volta a dedilhar sozinho, e após um breve solo de sax, retorna ao poema, com Helliwell fazendo intervenções ao invés de Gilmour, e então voltamos ao ritmo marcial, onde Gilmour solta alguns riffs até entrarmos em um arrastado blues, com Gilmour solando tipicamente enquanto Rick ao piano, berra o poema com a velha emoção dos tempos de Crime of the Century, sentando o ferro nos chefões dos EUA e da URSS, em frases como "and your mind is weak ... your blood's runnin' cold".

 
 Rick Davies, David Dilmour, Bob Siebenberg, 
Scott Gorham, John Helliwell e Dougie Thomson

A canção então vira uma hipnotizante viagem de ida para um lugar nunca visitado. Piano, percussão, sax e gritos de protesto tomam conta das caixas de som, simbolizando todas as manifestações contra a guerra ao redor do mundo. Acordes aleatórios são jogados como balas e pessoas dentro da multidão, até finalmente vozes e gritos serem ouvidos, encerrando com passos desperados correndo por uma rua. 

Os mesmos passos parecem agora caminhar sobre um jardim, trazendo então o lindo riff criado por Gilmour, e assim, baixo e guitarra acompanham marcialmente este riff enquanto percussão, piano elétrico e sintetizadores, fazem intervenções, chegando ao excepcional solo de flugelhorn feito por Helliwell, acompanhado por pratos e sintetizadores. Essa parte da canção é linda e viajantemente viajante.

Uma espécie de sirene é ouvida, cada vez mais rápida, para a canção estourar novamente no ritmo marcial, com um curto solo de Rick, que retoma a letra e a encerra com um belo "Don't be a fool we better move on".

Helliwell então puxa o riff do andamento marcial, e assim, com o acompanhamento preciso de Bob e Dougie, armam a cama para Gilmour solar durante alguns minutos, encerrando a maior e mais delirante canção do Supertramp, que está escondida em um dos álbuns mais injustiçadas da história, mas que tem o nome de uma Maravilha do Mundo Prog.

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