quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Woodstock 40 anos



Um sonho que durou três dias. Essa é uma das melhores definições que já ouvi sobre o festival de Woodstock. Em termos de musicalidade, talvez somente o primeiro Rock in Rio tenha sido tão versátil, mas em termos históricos Woodstock é considerado por muitos como o festival mais importante de todos os tempos. Naqueles três dias de agosto de 1969 - 15, 16 e 17 respectivamente -, tivemos o apogeu e a queda do império hippie que assolava o mundo. Uma utopia, baseada em cima da entrada na Era de Aquarius, consumida sobre as diretrizes "Faça Amor, Não Faça Guerra!".

Tudo começou quando, em fevereiro de 1969, os produtores Michael Lang e Joel Rosenman decidiram promover um grande concerto de rock para manifestar a opinião do povo americano contra a guerra do Vietnã. Na época, haviam 750 mil jovens soldados norte-americanos lutando e morrendo no oriente, e os gastos com uma guerra que não tinha sequer lógica eram absurdos.

Esse concerto estava previsto para ocorrer na fazenda Woodstock, onde meses antes Bob Dylan e The Band refugiaram-se para a recuperação do grave acidente de moto que Dylan havia sofrido. A intenção de trazer Dylan novamente à ativa também era algo importante no projeto, mas o cantor se recusou a sair do auto-exílio que vivia na fazenda, o que acabou significando pouco perto da divulgação boca-a-boca que ocorreu entre a população hippie e até mesmo entre outros grupos, como os Hell Angels e os Panteras Negras). Uma catarse coletiva e insana surgia, e assim o festival acabaria por ocorrer nas montanhas próximas de Nova York, a pouco menos de 200 km, na fazenda de 600 acres do Sr. Max Yasgur, na cidade de Bethel.


Intitulado Woodstock Music & Art Fair, Lang e Rosenman viram a transformação do concerto em um festival como uma forma de ganhar alguma grana para os seus bolsos. Assim, começaram a investir em diversos nomes de peso para participar, e acabaram ouvindo diversos nãos, como o Led Zeppelin, que não tocou pela arrogânica do empresário fanfarrão Peter Grant, que julgou que em Woodstock o Led seria apenas mais um; Beatles, que não tocaram devido à briga entre John e Paul e as famosa intromissões de Yoko Ono, já que Lennon disse que só tocaria com os Beatles se a Plastic Ono Band também participasse do festival; e Frank Zappa & The Mothers of Invention, que não tocaram apenas pelo fato de Zappa achar que havia muita lama no local! Porém, 32 grupos/artistas toparam participar, muitos dos quais haviam estado dois anos antes no também importante Monterey Pop Festival, e até aceitaram ter um cachê baixo para poder estar ao lado daqueles que eram contra a guerra.

Assim, 100 mil ingressos passaram a ser vendidos em lojas de discos e na área da grande Nova York, ou também via correio, com o modesto preço de 6 dólares por dia (ou 18 dólares o pacote para os três dias). Esse primeiro lote foi pulverizado, sendo necessário mais um segundo lote para suprir a grande procura. Mais um lote de 100 mil ingressos foi colocado à venda, dos quais 86 mil foram vendidos, com os produtores armando o espetáculo na esperança de contar com uma audiência de 200 mil pessoas, e também com os bolsos recheados, já que haviam vendido os direitos de imagem para a Warner Bros., garantindo o lucro sonhado por eles.

Porém, o inesperado aconteceu. Milhares de pessoas subiram a colina de Bethel, fazendo com que os administradores do festival aumentassem a segurança em torno das cercas da fazenda. De nada adiantou. As cercas caíram e 500 mil pessoas apareceram no local. Como consequência, sofreram com a falta de comida, higiene e, principalmente, com o lamaçal causado pela chuva que começou a cair na quarta-feira, dia 13 de agosto.


Na sexta, dia 15, abaixo de chuva, começava o festival. Cada banda tinha direito a pouco mais de uma hora para subir ao palco e mandar ver. O som que rolou naquele dia começou com Richie Havens acompanhado por seu violão e gravando na memória de todos a excelente canção "Freedom". A seguir, o professor espiritual indiano Swami Satchidananda dava as invocações para o festival, abrindo espaço para mais oito artistas subirem ao palco: Sweetwater, Incredible String Band, Bert Sommer, Tim Hardin, Ravi Shankar, Melanie, Arlo Guthrie e Joan Baez, com destaque para a incrível apresentação de "Coming Into Los Angeles" feita por Arlo e também para a linda participação de Joan Baez. Claro, quem roubou a cena foi Ravi Shankar, com toda sua parafernália instrumental de tirar o fôlego.

No sábado a fazenda estava rodeada por pessoas da imprensa. Helicópteros e câmeras surgiam, assim como mais hippies e também suprimentos médicos, já que a chuva, que não parava um minuto, começava a fazer suas baixas.

O grupo Quill fez uma apresentação de 40 minutos, onde interpretaram apenas quatro músicas. Muita sonzeira rolou depois com Keef Heartley Band, Country Joe McDonald, John Sebastian e uma sequênica fenomenal, com a enlouquedora apresentação de Santana, fazendo surgir ao mundo um dos maiores guitarristas de todos os tempos; Canned Heat, também de tirar o fôlego; Mountain, estupendo; Grateful Dead, onde debaixo de muita chuva os músicos tomaram choques durante a apresentação, sendo que o baixista Phil Lesh ouviu o rádio de transmissão de um helicóptero através do amplificador; Creedence Clearwater Revival; uma insana Janis Joplin acompanhada pela Kosmic Blues Band; e o funk incendiário de Sly & The Family Stone.

Os planos já haviam sido todos queimados, e às 4 da manhã o The Who subia para apresentar a ópera-rock
Tommy, fazendo um show ensurdecedor, que varou a madrugada, tendo como consequência a transferência da apresentação do Jefferson Airplane para o dia seguinte.

No domingo, o Jefferson Airplane dava início a mais uma sequência de shows matadores, com The Grease Band, Joe Cocker e a definitiva "With a Little Help From My Friends", Country Joe and The Fish, Ten Years After, The Band, Blood Sweat & Tears, Johnny Winter e seu irmão, Edgar Winter, Crosby Stills & Nash, Neil Young, Paul Butterfield Blues Band e Sha-Na-Na, encerrando com a indescritível apresentação do mestre Jimi Hendrix conjurando trovões e invocando os deuses da guerra na imortal versão para "Star Spangled Banner", com o sol da segunda-feira raiando sobre as cabeças de famintas e exaustas 35 mil pessoas, já que as demais haviam ido embora.


O filme dirigido por Michael Wadleigh tornou Woodstock uma lenda viva, mostrando o clima orgiástico de sexo, drogas e rock'n'roll vividos naqueles dias, além também de toda a dificuldade enfrentada pela produção para manter a ordem em um mar de lama, no olho da tormenta e com hippies viajando em ácidos e fumo. É interessante, por exemplo, ver um deles dialogando efusivamente com um pedaço de queijo. Também é fato que, com pouca comida, aqueles que possuíam algum sanduíche ou pedaço de pão dividiam com os que não tinham, por menor que esse pedaço fosse, mantendo o clima de paz e harmonia empregado na divulgação do evento.

O disco trazendo músicas de alguns participantes foi lançado em formato triplo, e acabou vendendo bastante. Posteriormente outras versões acabaram saindo, sendo as melhores uma caixa com 4 CDs trazendo a participação de Jefferson Airplane e Creedence com maior destaque, bem como material inédito de Joe Cocker e Jimi Hendrix, e, recentemente, uma caixa com 6 CDs com diversas músicas inéditas da apresentação, bem como uma série de CDs com vários artistas famosos, como Janis Joplin, Joe Cocker e Jimi Hendrix, trazendo o show na íntegra.

Alguns outros detalhes também valem a pena ser mostrados. No meio de tanta gente, somente 200 pessoas acabaram sendo presas, isso por causa de ofensas ou uso abusivo de drogas. Duas mortes ocorreram em Woodstock, mas nenhuma por briga, sendo uma por overdose e outra por atropelamenteto (uma pessoa dormia no campo quando um trator passou por cima dela). Duas crianças nasceram durante o festival, uma dentro de um carro e outra no helicóptero de suprimentos, enquanto quatro mulheres abortaram.

Outro fato interessante é que tanto o Jeff Beck Group quanto o Doors estavam confirmados para particiar do festival, porém a banda de Beck encerrou as suas atividades uma semana antes do festival começar, enquanto que o Doors cancelou a participação pouco antes do evento, com Morrison alegando que sua voz soaria repugnante ao ar livre. Mesmo assim, o batera John Paul Densmore foi curtir uns ácidos e o som no festival, como pode ser visto no filme durante a apresentação de "Let's Go Get Stoned", de Joe Cocker.

Já o Iron Butterfly, outra grande banda confirmada, ficou presa no aeroporto e não pode ir, enquanto que o grupo canadense Lighthouse decidiu não tocar por temer que a apresentação pegasse mal para o nome da banda. Até hoje eles se arrependem disso.

Box com 6 CDs lançado pela Rhino em comemoração aos 40 anos do festival

Diversos festivais em homenagem a Woodstock foram realizados em 1979, 1989, 1994 e 1999. Esse ano um grande festival estava previsto para ocorrer na Alemanha, mas acabou não saindo porque a organização não conseguiu encontrar um local adequado.

Baseado no sucesso de
Woodstock outros festivais surgiram, como o da Ilha de Wight, Altamont, California Jam, US Festival e, com tratos mais caridosos, o gigante Live Aid. No Brasil, o Festival de Águas Claras é considerado até hoje como o Woodstock brasileiro, e até mesmo o organizador do Rock in Rio, Roberto Medina, admite ter se influenciado em Woodstock para criar tal evento.

Depois da explosão do punk, em 1977, Woodstock se tornou o avesso do que fora, amendontrado pelo chamado conflito de gerações, sendo um símbolo de um sonho esfarrapado, ou ainda, uma festa de crianças com somente adultos participando. Em 1989, na chacina de estudantes pelos comunistas chineses realizada na Praça da Paz Celestial, um dos sobreviventes bradou: "
Esse foi o nosso Woodstock!".

Muitos até hoje torcem o nariz para o evento, mas não tem como negar sua importância para o cenário musical. Graças a ele nomes como Santana, Blood Sweat & Tears, Joe Cocker, Ten Years After, entre outros, conseguiram assinar um contrato decente e vagar pelo mundo, encantando muitas pessoas e angariando fãs ao redor do planeta. Também o fato de ser o primeiro festival em grande escala é algo que não se deve ser menosprezado.

Hoje, exatos 40 anos depois, o maior concerto de rock da história mantém intacta a lenda que o criou. 500 mil pessoas trancadas em um elevador tentaram, de alguma forma orgiástica, tirar o melhor proveito da situação. No fim, mostraram ao mundo que a palavra humanidade realmente poderia existir, e claro, além de terem nadado nus nos lagos, fumarem muito baseado, abusar de pastilhas de LSD e fazerem amor em público, ouviram muita música em qualidade e quantidade até hoje insuperável, sempre respeitando a paz e o amor!

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